Apresentação
No cotidiano de profissionais das áreas contábeis, orçamentárias ou administrativas, pode-se deparar com uma situação recorrente: um profissional autônomo que deseja receber um valor líquido exato, livre de impostos. Neste cenário, o responsável pelo pagamento precisa do cálculo reverso para apurar o valor bruto, deduzir previdência social, aplicar o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e, assim, chegar ao montante líquido pretendido pelo prestador de serviços.
Este artigo, elaborado para quem já enfrentou este desafio, fará uma breve explanação sobre as diretrizes legais do tema, com destaque para as deduções. Em seguida, exibirá a sequência de cálculos baseados em fórmulas em cada situação para solucionar este impasse. É importante ressaltar que o método aqui abordado se aplica exclusivamente a pagamentos realizados por empresas a prestadores de serviços sem vínculo empregatício, ou seja, autônomos, trabalhadores eventuais.
Sumário
1 IRRF e contribuição previdenciária oficial: previsão legal das retenções
1 IRRF e contribuição previdenciária oficial: previsão legal das retenções
A explicação para a retenção obrigatória, inicialmente a do imposto de renda está clara no Art. 7º da Lei 7.713/1988, a seguir reproduzido:
Art. 7º Ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta Lei:
I - os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas;
II - os demais rendimentos percebidos por pessoas físicas, que não estejam sujeitos à tributação exclusiva na fonte, pagos ou creditados por pessoas jurídicas.
§ 1º O imposto a que se refere este artigo será retido por ocasião de cada pagamento ou crédito e, se houver mais de um pagamento ou crédito, pela mesma fonte pagadora, aplicar-se-á a alíquota correspondente à soma dos rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título.
Também há retenção obrigatória de contribuição previdenciária oficial, conforme está previsto no Art. 30 da Lei 8.212/1991:
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
I - a empresa é obrigada a:
a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;
(...)
Com base nas passagens legais anteriores é necessário admitir, que sim, em pagamentos efetuados por pessoas jurídicas a pessoas físicas, é obrigatória a retenção de imposto de renda na fonte, desde que seja atingida a faixa tributável prevista na tabela progressiva mensal do IRRF e também da contribuição previdenciária oficial, desde que o prestador de serviços não tenha ultrapassado as contribuições sobre o limite máximo previsto na tabela de retenções previdenciárias.
Neste contexto, se o pagamento (com as deduções permitidas) não atingir a tabela de retenção de IR, nada mais se fala sobre isto e quanto ao INSS, segundo o Art. 39 da IN RFB 2.110/2022, caso o contribuinte já tenha atingido o teto de contribuições, será necessário apresentar ao tomador de serviços uma declaração (modelo no anexo VIII da IN da RFB), um informativo das outras empresas (Art. 27, Inc. V) ou os comprovantes pagos.
2 Cálculos práticos
Abordando a dificuldade comentada na apresentação, é possível imaginar o cenário em que certo prestador eventual de serviços (pessoa física) que ao ser chamado para realizar certo trabalho, orçamenta o valor de R$ 3.500,00 líquidos e com a direção aceitando a proposta, o "problema" seria este:
- Valor Bruto: ???
- INSS: ???
- IRRF: ???
- Valor Líquido: 3.500,00
Observações:
- Não será considerada retenção de ISS porque, como este artigo é direcionado a retenções federais, este tributo é exclusivamente municipal (retenção e alíquotas dependem do CTM de cada município), nem todos trabalhadores avulsos têm inscrição municipal e geralmente a retenção de ISS é na prestação de serviços entre duas empresas ou somente quando o autônomo tem alvará;
- Para enriquecimento do assunto, o prestador de serviços ainda não fez contribuições sobre base de cálculo que ultrapasse o teto de contribuições e então estará sujeito à retenção de contribuição previdenciária.
2.1 Analisando as deduções
Por ser um cálculo reverso, o caminho a percorrer nos cálculos também será inverso, apurando as retenções "de baixo para cima", sendo o primeiro, o IRRF, porém, na apuração da base de cálculo deste tributo é necessário decidir qual (ou quais) deduções utilizar:
a) Dedução legal: segundo o Art. 52 da IN RFB 1500/2014, na apuração mensal do IRRF sobre os recebimentos em discussão, o contribuinte pode deduzir despesas com pensão alimentícia, dependentes, contribuição previdenciária oficial, previdências complementares e parcela isenta de aposentadoria, mas, na premissa de que um autônomo preste serviços para diversas empresas, é prudente que a empresa em questão deduza apenas a contribuição previdenciária oficial porque a dedução é mensal e única, bem diferente da repetição das mesmas deduções por todas as fontes pagadoras;
b) Desconto simplificado: desde o mês-calendário 05/2023, por força da Lei 14.663/2023, foi estabelecido que o contribuinte pode escolher entre o desconto padrão ou o simplificado, prevalecendo o que lhe for mais favorável. Este desconto simplificado equivale a 25% do teto da faixa de isenção da tabela progressiva mensal de IRRF e sem necessidade de documentos; como no mês 09/2025 o teto da faixa de isenção é R$ 2.428,80, o valor do desconto simplificado é R$ 607,20 (2.428,8 x 25%) e continuará neste valor até que a faixa de isenção seja alterada.
Visto que o imposto é retido na fonte, cabe ao profissional responsável pelo pagamento atender as diretrizes legais e aplicar a dedução cuja retenção seja menos onerosa ao prestador de serviços, e surge a dúvida: desconto padrão ou desconto simplificado?
Para eleger uma dedução ou outra, é necessário verificar até que ponto (valor) é beneficente (para o contribuinte) utilizar o desconto simplificado; como o desconto simplificado vale R$ 607,20, basta calcular um rendimento bruto que produza desconto de INSS neste mesmo valor.
Como a retenção de INSS sobre um salário mínimo de 2025 no valor de R$ 1.518,00 é de R$ 113,85, ao dividir R$ 607,20 por R$ 113,85 a proporção é de 5,3333... salários mínimos; como 5 salários mínimos equivalem a mais de R$ 7 mil, deduz-se que o desconto simplificado terá valor semelhante à retenção previdenciária sobre um salário enquadrado na mais alta faixa de dedução, que vai de R$ 4.190,84 a R$ 8.157,41, tem alíquota de 14% e parcela a deduzir de R$ 190,40; para tanto, é utilizada a seguinte equação: (clique aqui para entender melhor a parcela a deduzir no desconto de INSS)
0,14x = 607,20 + 190,40
0,14x = 797,60
x = 797,60 / 0,14
Portanto, conhecendo este valor de corte, conclui-se que, com base nas tabelas vigentes em 09/2025, sempre será vantajoso para o contribuinte usar o desconto simplificado para o cálculo de IRRF para todos os rendimentos brutos com valor até R$ 5.697,14 e, se o rendimento ultrapassar este valor, o ideal será utilizar a retenção previdenciária como dedução, ou seja, a dedução legal.
2.2 Cálculo reverso com desconto simplificado
Conforme explicado no tópico anterior e agora estudando a situação, se o valor líquido é R$ 3,5 mil, deduz-se que provavelmente o valor bruto será inferior a R$ 5.697,14 e é sobre este mesmo valor bruto que calculam-se as retenções de INSS e IRRF; para solucionar esta questão, aplica-se uma fórmula de cálculo que é construída com base nestas variáveis:
- VL: Valor Líquido = R$ 3.500,00
- VB: Valor Bruto = ??? (x)
- DS: Desconto Simplificado = R$ 607,20
- INSS: 3ª faixa da tabela previdenciária, com alíquota de 12% e desconto de R$ 106,59 = 0,12x - 106,59
- IRRF: [(VB - DS) * 0,15) - 394,16] = (x - 607,20) * 0,15 - 394,16 = 0,15x - 91,08 - 394,16 = 0,15x - 485,24
VB - (INSS) - (IRRF) = VL
Com base na fórmula acima e substituindo os símbolos pelos respectivos valores, o cálculo será:
x - (0,12x - 106,59) - (0,15x - 485,24) = 3500
x - 0,12x + 106,59 - 0,15x + 485,24 = 3500
x - 0,12x - 0,15x = 3500 - 106,59 - 485,24
0,73x = 2.908,17
x = 2.908,17 / 0,73
x = 3.983,79
Verificação:
Valor Bruto: 3.983,79
(-) INSS: 371,46 (3.983,79 * 0,12 - 106,59)
(-) IRRF: 112,33 ((3.983,79 - 607,20) * 0,15 - 394,16)
= Valor Líquido: 3.500,00
Conforme foi demonstrado, ficou evidente que para um rendimento líquido de R$ 3.500,00, o desconto simplificado (R$ 607,20) é a melhor opção porque o INSS descontado (dedução legal) foi de R$ 371,46. Mas, e se o valor bruto ultrapassar o limite de corte? O próximo tópico demonstrará como a regra muda para valores maiores, usando a retenção previdenciária como a melhor escolha para o profissional.
2.3 Cálculo reverso com dedução legal
A fórmula anterior foi desenvolvida com base no desconto simplificado, que é um valor fixo. Neste cenário, a mudança é que desta vez o valor líquido é de R$ 5 mil e o desconto será de valor variável, por ser um desconto legal.
Para solucionar esta questão também poderia ser construída uma fórmula única, tanto para o INSS quanto para o IRRF, mas, por motivos de praticidade, serão usadas duas fórmulas separadas, uma para encontrar a base de cálculo do IRRF e outra para a base de cálculo do INSS, iniciando com o IRRF com base na tabela progressiva mensal vigente em 09/2025 e as seguintes incógnitas:
- BC: base de cálculo do IRRF = ???? = x
- VL: valor líquido = R$ 5.000,00
- PD: parcela a deduzir = R$ 908,73 (tabela progressiva mensal do IRRF)
- AL: alíquota = 27,5% = 27,5 /100 = 0,275 (tabela progressiva mensal do IRRF)
BC = (VL - PD) / (1 - AL)
Os valores das incógnitas foram preenchidos a partir da informação do valor líquido (VL) de R$ 5 mil e os demais foram extraídos da tabela progressiva mensal do IRRF (09/2025), porque a partir deste valor líquido, deduz-se que sua base de cálculo (BC) estará na faixa de 27,5% (AL) e com parcela a deduzir (PD) de R$ 394,16; nestes moldes, o cálculo seria:
x = (5000 - 908,73) / (1 - 0,275)
x = 4091,27 / 0,725
x = 5.643,13
Este cálculo indicou a base de cálculo do IRRF e agora é necessário, a partir desde valor, calcular a base de cálculo do INSS, conforme segue.
Como no emprego do desconto legal a base de cálculo do IRRF (BC) é igual ao rendimento bruto (RB) com as deduções legais (DL) subtraídas - neste caso, apenas o INSS, admite-se que RB - DL = BC
Otimizando esta fórmula e aprofundando no cálculo do INSS, ao analisar sua tabela é percebido que para uma BC neste valor, o RB estará na faixa de 14% (AL) e parcela a deduzir (PD) de R$ 190,40, substitui-se DL por RB*AL - PD
Isolando a variável RB (atribuindo-lhe "x") é possível construir esta equação e logo após substituir os símbolos pelos valores já conhecidos:
Portanto, admitindo que o rendimento bruto seja de R$ 6.340,38 e a base de cálculo do IRRF importa no valor de R$ 5.643,13, resta fazer os cálculos finais das retenções para confirmar os valores, que devem resultar em valor líquido de R$ 5 mil:
Verificação:
Rendimento bruto: 6.340,38 (calculado com fórmula)
INSS: 697,25 (6.340,38 * 0,14 - 190,40)
BC do IRRF: 5.643,13 (calculado com fórmula e comprovado por RB - INSS)
IRRF: 643,13 (5.643,13 * 0,275 - 908,73)Valor Líquido: 5.000 (BC IRRF - IRRF ou RB - INSS - IRRF)
Comparando com os conceitos do desconto simplificado, e sem fazer cálculos, é perceptível que quando algum valor bruto (e suscetível à retenção previdenciária) for superior a R$ 5.697,14, devem ser utilizados os descontos legais porque o valor do desconto simplificado se limita a R$ 607,20.
Conclusão
Neste artigo foi demonstrado que além de aliadas, as fórmulas de cálculo são essenciais para solucionar as incertezas que não raramente se apresentam aos profissionais que atuam nas áreas que envolvam retenção de impostos e previdência social.
Após a apresentação das normas legais cabíveis para justificar as retenções e como e por quê aplicar o desconto correto (desconto legal ou desconto simplificado), conclui-se que a utilização das fórmulas apresentadas poupará o tempo do profissional e oferecerá valores seguros, confiáveis e amparados legalmente.
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